sábado, 26 de março de 2016

As últimas visões

O avião fazia as últimas manobras para o pouso, as instruções foram dadas. Apertei o cinto, atendendo às recomendações derradeiras.

Natal, Capital do Rio Grande do Norte, era a visita anual que eu fazia a minha mãe. Ela, por sua vez, viera de uma cidade próxima, por nome Areia Branca, até o aeroporto. Logo na porta, me deparei assustado com aquela figura altiva e alegre e seu expressivo olhar, algo imprevisivel, pois minha velha mãe havia feito uma viagem de duas horas e meia com noventa e quatro anos para receber-me, e voltariamos naquele mesmo dia para Areia Branca.

Dei aquele saudoso abraço nela e também em minha irmã e seu marido, que pastoreava na ocasião uma igreja Batista naquela localidade, e de imediato pegamos a estrada em direção à Areia Branca, um trajeto longo e cansativo.

Mas a paisagem foi aos poucos nos fazendo esquecer a fadiga da longa viagem, e Dona Lairde era só alegria. Fui observando os cavalinhos puxando o petróleo do subsolo, naquele movimento de sobe e desce, já era noite quando resolvemos parar num lugarejo para jantar e esticar as pernas. Perguntamos se ela queria ficar no carro, e ela de imediato pegou sua bengala sinalizando que não, notei nela uma disposição de curtir aqueles momentos.

Já alimentados, seguimos viagem, e como era noite e estava próxima a cidade, meu cunhado falou um pouco do seu ministério naquele distante lugar, produtor de sal e petróleo. Passamos ao largo de Mossoró, cidade mais próxima de Areia Branca.

Chegamos na cidade e já era noite, e depois de belo e revigorante banho, jantamos e conversamos até a chegada do sono.

Logo pela manhã, depois de visitar as dependências do templo, meu cunhado começou a mostrar-me as pecularidades da cidade. Começou me levando à área de serviço, abrindo a torneira e pedindo que colocasse a mão na água. Fui pego de surpresa, a água saía com uma temperatura elevada, que poderia até mesmo cozinhar um ovo. Ele explicou-me que o abastecimento hídrico da cidade era feito através da captação dos lençóis freáticos no sub-solo, e antes de usá-la era preciso resfriá-la na caixa d´água.

O casal convidou-me para conhecer as dunas e o farol no alto, uns cem metros próximo ao mar. No trajeto passamos pelo cemitério da cidade, e observei que havia algumas covas fora dos muros. Perguntei porque eles foram enterrados do lado de fora, e meu cunhado respondeu que eles eram inimigos politicos do atual prefeito. Mesmo contrariado, continuamos a caminhada. Já no farol, fomos recebidos pelo faroleiro, um Sargento da Marinha muito solícito. Bem no alto, contemplei as falésias e as enormes dunas, e logo adiante as salinas, com suas não menos exuberantes montanhas brancas. À noitinha fomos dar um passeio na praça com minha mamãe e sua inseparável bengala

Lúcida e muito ativa nas suas demoradas orações antes de dormir, mamãe fazia questão de nominar um a um seus filhos e netos. No quarto ao lado eu acompanhava as longas e detalhadas orações até chegar nos nomes dos meus três filhos e dois netos. Ela parecia alguém recitando uma poesia para o Criador e seu filho Jesus.

Eu só não imaginava que tratava-se de uma despedida, uma maneira outra de dizer adeus, que minha querida mãe usou para confortar seu terceiro filho.

Na volta para o Rio de janeiro, nos despedimos ali mesmo, e ela, muito segura, não demostrou nehuma reação de tristeza. Abraçou e me desejou uma boa viagem, sussurrando no meu ouvido: Deus abençoe sua linda familia.

Pouco mais de um mês depois dessa visita, ao atender o telefone, minha irmã informava que o sopro do criador havia deixado D. Lairde de sousa e silva, professora do estado do Rio G do Norte: minha saudosa MÃE.

Rio 26/3 / 2016


Janilsonroberto.blogspot.com