Era o mês de janeiro do ano 1962, e o navio escola Almirante Custódio de Melo atravessava a linha da barra da cidade do Rio de Janeiro rumo ao porto, vindo da cidade de Natal. A bordo
sessenta civis, recém aprovados no concurso do corpo de fuzileiros navais,
vindo para o centro de recrutas do CFN. Ao lado esquerdo da famosa Baía da Guanabara,
a praia de copacabana e a imagem famosa do Cristo redentor e o pão de açucar. Estávamos perfilados no convés de madeira do navio escola junto com
a tripulação. Eu ainda estava à paisana, pois receberia a farda no
centro de recrutas, situado no bananal, Ilha do Governador. Já atracado no
cais, avistei em terra uma grande chaminé de tijolos onde estava escrito BISCOITOS MARILÚ. Estacionados
no cais, esperamos quatro carros de transporte de tropas, chamado de réu, que nos levaria até o centro de instrução da
famosa tropa anfíbia da marinha Brasileira.
O oficial
responsável em nos recepcionar, aos gritos, deixava claro que o preparo exigiria
muita força de vontade e determinação. Para mim não fazia muita diferença, um menino acostumado a sentir fome e sede, ao ponto de ter comido até miolo
de Xiquexique frito, tejo e mocó cozidos, no agreste do sertão onde nasci. Chegamos ao centro de instrução à noite; no que hoje é o 2º batalhão de infantaria do CFN.
Depois de receber
um colchonete empoeirado fomos encaminhados ao alojamento de madeira, coloquei
minha maleta no canto, e deitei-me, dobrando o colchonete transformando-o em lençol
e colchão.
Na alvorada
muito fria, depois do café, fomos liberados para procurar nossos familiares, aqueles
que tivessem parentes na cidade.
Fui à casa de
minha avó Inês e depois fui conhecer seu irmão, meu tio João e seus filhos. Um deles era criança e o outro uns
dois anos mais jovem que eu, que se chamava Jessé. Tio João também tinha quatro filhas.
Três anos se
passaram até que reencontrei Jessé dentro do quartel, numa farda super engomada. Fiquei feliz em saber da
novidade, e dai em diante, fizemos amizade. A partir daí passei a frequentar a casa de meu
tio nos fins de semana.
Jessé havia
adquirido uma canoa e se tornara um exímio pescador de linha de fundo. A canoa
era feita de um só tronco, tipo canoa de índio, e as linhas ele mesmo preparava,
depois enrolava em garrafas de refrigerante. Na ponta de cada linha amarrava garatéias de
tamanhos variados, e já que achava interessante toda a técnica, comecei a aceitar os convites para pescar e fui aprendendo
com ele aquela arte, já que ele foi criado na colônia de pescadores Z-10, toda sua
infância o transformou em um professor de respeito, e assim eu também me tornei um pescador
razoável, e trago na memoria momentos de grandes aventuras. Mas uma delas me empolga e volta-e-meia retorna à minha memória.
Era um sábado
ainda de madrugada saímos para pescar aproveitando a vazante, que facilitava
remar até o local da pesca: a ponte Rio-Niteroi, na época em construção, com os pilares já a dez metros de altura. Os peixes já haviam se acostumado a se
alimentar nas pilastras, então começamos a pescaria com a maré quase cheia, e pescamos
só algumas corcorocas até o meio dia.
A linha usada
pelo meu primo era mais preparada, possuia garatéias e a linha mais grossas, no entanto a
pescaria prosseguia tranquila, ficavamos pescando e vendo as lanchas "voadoras" que iam para ribeira. Então, de repente, a linha de jessé adernou a canoa! Ele, mais
experiente, pediu que eu fosse para o outro bordo da canoa, a popa da pequena
embarcação, para que a proa ficasse fora d'água, para evitar que entrasse água. Dessa forma, quando o grande peixe nos puxou mais para o fundo, gradualmente, foi um alerta de que o peixe era realmente muito
grande.
Foi preciso nos afastarmos da ponte, então comecei a remar me
afastando bastante das colunas, e o peixe em fuga começou a puxar a
canoa em direção à ilha, o que era bom, pois o peixe dava à pequena embarcação
uma velocidade anormal. O enorme peixe tomou a direção da ponte do matoso,
pertencente ao deposito de combustíveis da Marinha. Os passageiros
de uma das lanchas "voadoras" que iam em direção à ribeira acenavam, creio que espantados com a velocidade
da pequena embarcação.
Próximo à ponte há um farol, que marca uma pequena ilhota. O peixe passou próximo ao farol, e meu primo pulou na àgua, apoiando-se em terra firme, para vencermos o desafio, foi quando o peixe mostrou seu grande dorso: era uma enorme arraia lixa, que aos
poucos foi ficando cansada até finalmente ser puxada para areia.
Ali mesmo a cortamos em três partes. A parte do meio, mais pesada, voltou para a água, e a parte das asas, que pesava cerca de cinquenta quilos, virou
um grande ensopado, alimentando todos da familia lima presentes no banquete da
grande arraia!
Rio 23-de junho
2016.
Janilsnroberto.blogspot.com