domingo, 13 de agosto de 2017

Canoa Voadora

Era o mês de janeiro do ano 1962, e o navio escola Almirante Custódio de Melo atravessava a linha da barra da cidade do Rio de Janeiro rumo ao porto, vindo da cidade de Natal. A bordo sessenta civis, recém aprovados no concurso do corpo de fuzileiros navais, vindo para o centro de recrutas do CFN. Ao lado esquerdo da famosa Baía da Guanabara, a praia de copacabana e a imagem famosa do Cristo redentor e o pão de açucar. Estávamos perfilados no convés de madeira do navio escola junto com a tripulação. Eu ainda estava à paisana, pois receberia a farda no centro de recrutas, situado no bananal, Ilha do Governador. Já atracado no cais, avistei em terra uma grande chaminé de tijolos onde estava escrito BISCOITOS MARILÚ. Estacionados no cais, esperamos quatro carros de transporte de tropas, chamado de réu, que nos levaria até o centro de instrução da famosa tropa anfíbia da marinha Brasileira.
      O oficial responsável em nos recepcionar, aos gritos, deixava claro que o preparo exigiria muita força de vontade e determinação. Para mim não fazia muita diferença, um menino acostumado a sentir fome e sede, ao ponto de ter comido até miolo de Xiquexique frito, tejo e mocó cozidos, no agreste do sertão onde nasci. Chegamos ao centro de instrução à noite; no que hoje é o 2º batalhão de infantaria do CFN.
      Depois de receber um colchonete empoeirado fomos encaminhados ao alojamento de madeira, coloquei minha maleta no canto, e deitei-me, dobrando o colchonete transformando-o em lençol e colchão.
      Na alvorada muito fria, depois do café, fomos liberados para procurar nossos familiares, aqueles que tivessem parentes na cidade.
       Fui à casa de minha avó Inês e depois fui conhecer seu irmão, meu tio João e seus filhos. Um deles era criança e o outro uns dois anos mais jovem que eu, que se chamava Jessé. Tio João também tinha quatro filhas.
       Três anos se passaram até que reencontrei Jessé dentro do quartel, numa  farda super engomada. Fiquei feliz em saber da novidade, e dai em diante, fizemos amizade. A partir daí passei a frequentar a casa de meu tio nos fins de semana.
        Jessé havia adquirido uma canoa e se tornara um exímio pescador de linha de fundo. A canoa era feita de um só tronco, tipo canoa de índio, e as linhas ele mesmo preparava, depois enrolava em garrafas de refrigerante. Na ponta de cada linha amarrava garatéias de tamanhos variados, e já que achava interessante toda a técnica, comecei a aceitar os convites para pescar e fui aprendendo com ele aquela arte, já que ele foi criado na colônia de pescadores Z-10, toda sua infância o transformou em um professor de respeito, e assim eu também me tornei um pescador razoável, e trago na memoria momentos de grandes aventuras. Mas uma delas me empolga e volta-e-meia retorna à minha memória.
        Era um sábado ainda de madrugada saímos para pescar aproveitando a vazante, que facilitava remar até o local da pesca: a ponte Rio-Niteroi, na época em construção, com os pilares já a dez metros de altura. Os peixes já haviam se acostumado a se alimentar nas pilastras, então começamos a pescaria com a maré quase cheia, e pescamos só algumas corcorocas até o meio dia.
        A linha usada pelo meu primo era mais preparada, possuia garatéias e a linha mais grossas, no entanto a pescaria prosseguia tranquila, ficavamos pescando e vendo as lanchas "voadoras" que iam para ribeira. Então, de repente, a linha de jessé adernou a canoa! Ele, mais experiente, pediu que eu fosse para o outro bordo da canoa, a popa da pequena embarcação, para que a proa ficasse fora d'água, para evitar que entrasse água. Dessa forma, quando o grande peixe nos puxou mais para o fundo, gradualmente, foi um alerta de que o peixe era realmente muito grande.
Foi preciso nos afastarmos da ponte, então comecei a remar me afastando bastante das colunas, e o peixe em fuga começou a puxar a canoa em direção à ilha, o que era bom, pois o peixe dava à pequena embarcação uma velocidade anormal. O enorme peixe tomou a direção da ponte do matoso, pertencente ao deposito de combustíveis da Marinha. Os passageiros de uma das lanchas "voadoras" que iam em direção à ribeira acenavam, creio que espantados com a velocidade da pequena embarcação.
        Próximo à ponte há um farol, que marca uma pequena ilhota. O peixe passou próximo ao farol, e meu primo pulou na àgua, apoiando-se em terra firme, para vencermos o desafio, foi quando o peixe mostrou seu grande dorso: era uma enorme arraia lixa, que aos poucos foi ficando cansada até finalmente ser puxada para areia.
        Ali mesmo a cortamos  em três partes. A parte do meio, mais pesada, voltou para a água, e a parte das asas, que pesava cerca de cinquenta quilos, virou um grande ensopado, alimentando todos da familia lima presentes no banquete da grande arraia!

      Rio 23-de junho 2016.
      Janilsnroberto.blogspot.com


Um comentário:

  1. Vejo que sua história mostra logo o seu afeto pelo mar, que certamente o levou a se alistar não Marinha Brasileira. É uma passagem muito interessante da sua vida, que demonstra muita coragem. Gostei muito, parabéns!

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